Esquizofrenia.
“Para tornar a realizada
suportável, todos temos de cultivar intimamente algumas pequenas loucuras. ” -
Marcel Proust
Introdução:
A história sugere que a
esquizofrenia atinge a humanidade há milênios, relegando doentes ao isolamento
social. Apesar de vastas e profundas pesquisas, o transtorno - caracterizado
por comportamento anormal e isolamento emocional - continua sendo um grande
mistério.
A esquizofrenia é uma doença
psiquiátrica que acomete aproximadamente 24 milhões de pessoas no mundo,
segundo a Organização Mundial de Saúde.
Seus sintomas são variados e
sua origem envolve diversos fatores. É uma doença foco de muita curiosidade e
preconceito e esse trabalho procura esclarecer alguns pontos a respeito disso.
Embora esteja presente em toda
a história da humanidade, o transtorno não havia sido classificado de modo
preciso até o fim do século 19. No início do século 20, o psiquiatra alemão
Eugen Bleuler criou o nome "esquizofrenia" a partir das palavras gregas
"divisão" e "mente" para descrever a doença. Ele escolheu
esse termo baseado na idéia de dupla personalidade, um equívoco comum,
principalmente em função de os esquizofrênicos apresentarem uma desconexão com
a realidade. Bleuler também se referia à doença usando o termo no plural,
considerando que o quadro poderia se apresentar de maneiras diferentes.
Normalmente, é difícil
distinguir a esquizofrenia de quadros como depressão ou transtorno bipolar,
razão pela qual é essencial ir ao médico para descartar essas possibilidades.
Saber que o transtorno pode surgir no futuro pode ser assustador para as pessoas
que temem desenvolver a doença. Então como você pode saber se está com
esquizofrenia? Saber os sintomas específicos vai ajudar você a decidir se deve
buscar o auxílio de um psiquiatra especialista.
Origem/causa:
A esquizofrenia é uma doença
de origem multifatorial, o que significa que diferentes fatores estão
envolvidos no seu desencadeamento. Podemos ressaltar o componente genético, que
segundo Glen O. Gabbard, colabora com uma concordância entre 40 e 50% em gêmeos
idênticos e, segundo Wagner Gattaz, 13% entre parentes de primeiro grau.
Múltiplos genes estão
relacionados à suscetibilidade a doença e alguns já foram identificados.
Porém, como pode ser observado
nos números relacionados aos gêmeos idênticos, a genética não é a única
envolvida no desenvolvimento da esquizofrenia, caso contrário, a concordância entre
eles seria de 100%, visto que são seres geneticamente idênticos.
O fator ambiental é outra peça
importante para entender a causa dessa doença, e Gabbard levanta algumas
possibilidades a respeito, segundo ele, lesões no nascimento, infecção viral durante
a gestação, fatores dietéticos e intercorrências no desenvolvimento podem estar
associados ao desenvolvimento da esquizofrenia. Além disso, ele destaca um estudo
feito em 2004 por Tienari que concluiu que crianças adotadas e com alto risco
genético tinham maior chance de desenvolver a doença se existisse
desestruturação familiar. Gabbard, então conclui:
“Ocorre uma interação entre
vulnerabilidade genética, atributos do ambiente e traços individuais.”
As características individuais
impactam na forma como o indivíduo se relaciona com os fatores estressores
ambientais e também está ligada com a peculiaridade da manifestação da doença
em cada paciente, sendo que eles podem ter diferentes sintomas e intensidade
dos mesmos.
A disfunção em nível celular
que vem a causar os sintomas é descrita por Guyton e Hall, e eles sugerem três
possibilidades:
1. Perda de sensibilidade dos
neurônios ao neurotransmissor glutamato, em áreas do lobo frontal.
Neurotransmissores são componentes químicos que fazem a comunicação entre dois neurônios,
e o glutamato é essencial para a estimulação neuronal no cérebro. Acredita-se
que seja o córtex frontal a parte do cérebro envolvida na esquizofrenia, porque
é possível induzir resposta mental semelhante a da doença em macacos causando
pequenas lesões nos lobos pré-frontais deles.
2. Excitação excessiva de
neurônios secretores de dopamina nos centros comportamentais do cérebro. A
dopamina é um outro neurotransmissor que foi relacionado a esquizofrenia por
ser capaz de induzir sintomas dessa doença em pacientes com Mal de Parkinson.
Obs: O Mal de Parkinson é tratado com remédios liberadores de dopamina.
3. Função anormal da parte do
sistema límbico responsável pelo controle comportamental que está centrado no
hipocampo. O sistema límbico é a parte do cérebro responsável pelas emoções e
comportamento, e o hipocampo é integrante do sistema límbico, foi observado que
em alguns pacientes esquizofrênicos a região hipocampal estava reduzida.
Esquizofrenia normalmente se
desenvolve em homens a partir do fim da adolescência ou próximo dos 20 anos, e
nas mulheres por volta dos 25 a 30 anos. Sintomas de esquizofrenia podem se
desenvolver gradualmente ou rapidamente. Os sintomas normalmente são classificados
como positivos ou negativos, no entanto, a razão desses nomes não tem relação com
o fato de os sintomas serem bons ou ruins.
Sintomas positivos:
Incluem delírios, que são crenças
a respeito de determinados fatos e coisas. Durante o delírio os pacientes criam
uma realidade própria que frequentemente tem associação com ideias
perseguitórias, ciúmes, crenças religiosas ou aquisição de outra identidade.
Alucinações também fazem parte
dessa classe, e são percepções falsas dos sentidos (visão, audição, tato,
olfato e paladar), as mais frequentes são as alucinações visuais (estar vendo
coisas) e alucinações auditivas (ouvir vozes). Outros sintomas positivos são
distúrbios do comportamento.
A totalidade desses sintomas
está associada aos surtos psicóticos agudos em que há grave desorganização
psíquica e comprometimento do juízo da realidade.
Sintomas negativos:
Estão relacionados à fase
crônica da doença e são caracterizados por um déficit de funções afetivas, o
paciente tem dificuldade de demonstrar emoções; por desmotivação em executar qualquer
tarefa; pobreza de pensamento, muitas vezes o paciente não consegue expressar
suas ideias de forma coerente; apatia e incapacidade de sentir prazer ou
satisfação.
Relações interpessoais
doentes:
Segundo Gabbard, suas
manifestações incluem “retraimento, expressões inadequadas de agressão e
sexualidade, falta de consciência das necessidades dos outros, excessiva
solicitação e incapacidade de fazer contatos significativos com as outras
pessoas."
Sintomas cognitivos:
Problemas de atenção, memória,
concentração, dificuldades para abstrações e de planejamento de ações podem
estar presentes.
• falta de atenção
• falta de habilidades de
memória
• incapacidade de planejar ou
organizar
Outros sintomas são problemas
no trabalho, de relacionamentos e de higiene pessoal. Para que alguém seja
diagnosticado como esquizofrênico, de acordo com os padrões oficiais do Manual
Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais (DSM-IV), um certo número de sintomas precisa ser
identificado e o quadro deve se estender, no mínimo, por seis meses.
Tipos de esquizofrenia:
O Manual de diagnóstico e
estatística das perturbações mentais (DSM IV), divide a doença em
5 subtipos de acordo com as
suas características específicas:
1. Esquizofrenia paranoide:
Presença de alucinações e delírios, e funções cognitivas e afetivas relativamente
conservadas.
2. Esquizofrenia catatônica:
Presença de pelo menos dois dos seguintes sintomas: Imobilidade motora,
agitação extrema, negativismo, postura inadequada e/ou movimentos estereotipados,
repetição constante de palavras ou frases e imitação de movimentos.
3. Esquizofrenia
desorganizada: Presença de discurso e comportamento desorganizados e manifestações
de afeto inapropriadas.
4. Esquizofrenia
Indiferenciada: Nesse tipo de esquizofrenia são classificados os pacientes que
não se encaixam em nenhum dos outros tipos ou têm sintomas de mais de um tipo
não sendo possível categorizá-los.
5. Esquizofrenia residual: Sem
alucinações, delírios, discurso ou comportamento desorganizado. Mas com
presença de sintomas negativos principalmente ou positivos em menor grau. É
comum em estágio crônico da doença, quando o paciente está controlado.
Alguns quadros são bem
semelhantes à esquizofrenia. O transtorno esquizofreniforme, por exemplo, pode
incluir sintomas positivos e negativos de esquizofrenia, mas dura apenas de um
a seis meses. Um outro quadro semelhante é o transtorno esquizoafetivo. Pessoas
com transtorno esquizoafetivo sofrem tanto com sintomas de esquizofrenia como
com transtornos do humor (como depressão).
Muitos sintomas de esquizofrenia
podem ter efeitos drásticos sobre a vida do paciente em termos de atividades
diárias, trabalho, vida social e relacionamentos. Ilusões se referem a crenças
falsas e alucinações dizem respeito a falsas sensações. Algumas ilusões típicas
incluem crenças paranoicas sobre ser vítima dos outros ou acreditar ser uma
famosa figura histórica (como Napoleão
Bonaparte ou Jesus Cristo). Alucinações
acontecem por meio de visões, de cheiros, de sons, de sentimentos ou até mesmo
de gostos. Normalmente, os esquizofrênicos acreditam ouvir vozes. Essas vozes
comentariam o comportamento da pessoa ou dariam ordens à pessoa.
Tratamento:
Com relação ao tratamento
farmacológico, o uso de medicamentos antipsicóticos é eficiente principalmente
para o controle dos sintomas positivos da doença, mas interferem pouco nos negativos.
Recentemente, foi descoberta uma nova geração de medicamentos chamados de antipsicóticos
atípicos e esses se mostraram eficazes para tratamento tanto dos sintomas positivos
como dos negativos.
Um dos grandes problemas
encontrados na terapia farmacológica é a adesão dos pacientes ao tratamento,
visto que muitos deles deixam de tomar os remédios por causa dos efeitos colaterais,
principalmente os efeitos parkinsonianos que são induzidos pelo bloqueio da dopamina.
Esses efeitos incluem tremores, lentidão e apatia. Outro motivo da recusa ao tratamento
é a inconsciência da doença por parte do paciente.
Logo, tanto para melhorar a
adesão ao tratamento medicamentoso como para dar suporte ao paciente de forma que
ele possa reingressar ao seu convívio social são necessárias outras formas de
abordagem. A psicoterapia individual se mostra eficaz para que o paciente
estabeleça laços de confiança com o seu terapeuta e a partir disso, é possível
trabalhar com ele de forma a alcançar a estabilidade do mesmo; despertar sua
consciência, com relação aos fatores estressores que o fazem entrar em surto, e
treinar suas habilidades sociais.
Outra forma de abordagem
utilizada é psicoterapia em grupo que pode atuar fornecendo apoio aos
pacientes, desenvolvendo habilidades de expressar seus sentimentos e
pensamentos e capacidade de perceber o outro e se identificar com ele. Educar a
família do paciente, para que essa possa ser uma aliada no tratamento, também
pode ser uma medida eficaz.
Porém, algumas vezes os
pacientes necessitam de um tratamento mais intenso, com hospitalização. Essas
internações hospitalares são de curta duração e têm por objetivo estabilizar o
paciente de forma que ele possa voltar ao convívio social sem oferecer risco
para ele mesmo ou para a sociedade. A legislação brasileira aboliu as internações
de longo prazo, bem como os hospitais psiquiátricos de grande porte. O objetivo
dessa lei foi impedir o isolamento e discriminação social dos pacientes
psiquiátricos porque, anteriormente a essa medida, muitos pacientes eram
abandonados por suas famílias e permaneciam por anos isolados em hospitais.
Vivendo com esquizofrenia:
A reintegração de um
esquizofrênico na sociedade tende a ser difícil, considerando-se que o transtorno
normalmente se desenvolve quando a pessoa já tem profissão e é autossuficiente.
A maioria não se casa, não forma família, nem se dá bem no trabalho [fonte:
Javitt]. Infelizmente,
5% dos esquizofrênicos acabam
virando moradores de rua [fonte: Javitt].
Estes fatores podem contribuir
para a alta porcentagem de esquizofrênicos que cometem suicídio (10%) [fonte:
NIMH]. No entanto, a estatística considera apenas casos de suicídio consumado.
A estatística exata dos esquizofrênicos que tentam o suicídio é desconhecida,
mas acredita-se que fique entre 18 e 55% [fonte: Gupta].
Os especialistas divergem
quanto à questão de a esquizofrenia deixar a pessoa violenta.
Estatísticas mostram que a
doença não causa comportamento violento e que a maioria dos doentes não são
violentos. Geralmente, os que têm histórico de violência antes do início do quadro
tendem a continuar violentos, enquanto os não-violentos dificilmente se
apresentam esse comportamento.
No entanto, estudos demonstram
que alguns esquizofrênicos ficam mais propensos à violência do que a população
em geral, se abusarem de drogas e álcool. E quando ficam violentos, isso geralmente
acontece com amigos ou com a família dentro de casa [fonte: NIMH].
Notavelmente, as vítimas mais
prováveis da violência são eles próprios, haja vista o alto índice de suicídio.
O Instituto Americano de Saúde
Mental (NIMH) oferece aconselhamento aos que desejam ajudar pessoas
esquizofrênicas. Nesse instituto, pode-se trabalhar para gerar uma atmosfera positiva
e de apoio que ajude o esquizofrênico a lidar melhor com a situação. Como esquizofrênicos
normalmente têm dificuldade em estabelecer objetivos, os voluntários podem ajudá-los
a definir objetivos menores e possíveis, para que eles, lenta e tranquilamente,
obtenham maior autonomia. Para amigos e familiares de esquizofrênicos, lidar
com as ilusões e com as alucinações é difícil. Nesse caso, o NIMH recomenda não
tentar competir nem brincar com a falsa noção do esquizofrênico. Em vez disso,
deve-se discordar educadamente, falando que as pessoas possuem suas próprias
opiniões. Frequentemente, a esquizofrenia é tão súbita que é difícil entender
suas causas. Apesar da profundidade dos estudos e das pesquisas sobre o
transtorno, a causa ainda é pouco conhecida.
CURIOSIDADE - Qual a sensação
de um esquizofrênico em um surto?
Foi encontrado um vídeo muito
interessante e, ao mesmo tempo, amedrontador. O vídeo foi criado com base em
entrevistas feitas com esquizofrênicos. Depois dos relatos deles sobre o que escutavam,
dia após dia, o vídeo foi criado para que as pessoas pudessem ter uma melhor compreensão
do que essa doença faz com o indivíduo.
Antes de clicar no link, leia
abaixo a explicação sobre o que irá escutar:
O esquizofrênico possui uma
superatividade na área de compreensão da fala (chamada de área de Wernicke), no
cérebro, o que cria alucinações sonoras, ou melhor, a ilusão de que pensamentos
são vozes verdadeiras.
Assista o vídeo usando fones
de ouvido.
Não assista se você possui
algum problema cardíaco, nervoso ou se impressiona fácil.
Caso se sinta mal, feche o
vídeo.
Auditory Hallucinations - An Audio Representation
Link: http://www.youtube.com/watch?v=0vvU-Ajwbok#t=164
FONTE: 1. GABBARD, Glen O.
Psiquiatria psicodinâmica na prática clínica. 4. Edição. Porto Alegre,
Artmed Editora S/A, 2007.
2. GUYTON, Arthur C.; HALL,
John E. Tratado de Fisiologia Médica. 11. Edição. Rio de
Janeiro, Elsevier 2006.
3. LOUZÃ NETO, Mario
Rodrigues; ELKIS, Hélio. Psiquiatria básica. 2. Edição. Porto Alegre,
Artmed, 2007
Infomedica wiki -
http://pt-br.infomedica.wikia.com/wiki/Esquizofrenia
howstuffworks -
http://saude.hsw.uol.com.br/esquizofrenia.htm
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